Como mencionado na postagem sobre o meu título escocês de lord, quando voltamos a lembrar o passado aristocrático dos Cavalcante na Itália, uma observação simples sobre genealogia é o suficiente para provar que este redator e fidalgo é descente de reis portugueses. O que não mencionamos lá, porém, e que é uma informação deveras curiosa, é a probabilidade de que todos os nordestinos também sejam descendentes dos reis da dinastia de Avis. E é fácil demonstrar isso.
Ao comentar os fatos básicos sobre a origem da família Cavalcante/ Cavalcanti, dissemos aqui neste blog que todas as pessoas deste sobrenome no Brasil são descendentes do mesmo homem, o patrício italiano Filippo Cavalcanti, que chegou a Pernambuco no século XVI e que teve muitos filhos de seu casamento com a senhora Catarina de Albuquerque.
Cremos ter mencionado também que Catarina de Albuquerque era filha do colonizador português Jerônimo de Albuquerque. Esse colonizador é especialmente famoso na História de Pernambuco, justamente por ter tido muitos filhos e ter espalhado sua semente por muitas das famílias daquela capitania. Não é à toa que o homem mereceu da posteridade o apelido de Adão Pernambucano. Afinal, muitas famílias tradicionais daquele estado, quando buscam sua genealogia, acabam por topar com a figura alegre do fidalgo que foi tão bem sucedido em se estabelecer na colônia.
Jerônimo de Albuquerque. Fonte da imagem: Medium
Pois bem, Jerônimo de Albuquerque foi casado com Maria do Espírito Santo Arcoverde, originalmente a indígena Muirá-Ubi, convertida então ao catolicismo e tornada portuguesa. Com sua esposa, o fidalgo teve numerosa descendência. Este Adão Pernambucano, porém, teve vários filhos também com outras mulheres, de modo que há mais de sua descendência do que a parte pudica da História poderia ter preservado. E é pelos filhos tidos do casamento ou de fora dele que, de fato, um número bem grande de pessoas realmente são descendentes desse homem que se aventurou a instalar-se na bravia colônia portuguesa.
O que acontece, porém, é que a evidência genealógica indica que não são apenas as famílias tradicionais de Pernambuco que podem traçar seu tronco até o afortunado colonizador de quem falamos agora. Ser descendente do Adão Pernambucano não é um privilégio das elites - embora, de fato, ser um Cavalcanti de Albuquerque no século XVI tenha sido sinônimo de fazer parte da seleta elite da colônia; e mesmo no século XIX o meu sobrenome, com ou sem o Albuquerque, ainda era bastante sonoroso e restrito, e indicativo de status. O próprio nome Cavalcante se tornou tão comum que até mesmo alguém que tem vivido a vida inteira como simples plebeu sem distinções de caráter econômico ou político - até mesmo alguém como eu é portador do sobrenome de fidalgo. E um portador satisfeito desse nome.
No entanto, há base para afirmar que, na verdade, todos os nordestinos tem Jerônimo de Albuquerque como seu antepassado. É isso o que afirma o pesquisador Cândido Pinheiro Koren de Lima. Médico de profissão, mas dedicado ao estudo genealógico, Cândido Koren, ao analisar os componentes étnicos da formação do Nordeste, toma o próprio Jerônimo de Albuquerque como um referencial, embora não o único, da nossa ancestralidade. Em reportagem concedida à revista Zona de Impacto, a respeito de seu livro Albuquerque: A herança de Jerônimo, o Torto, Cândido Koren declarou sobre o Adão Pernambucano: “A partir de seus 36 filhos conhecidos, seu sangue permeou nossas veias, de modo que praticamente inexiste nordestino, com raízes aqui, que não seja dele descendente." Ou seja, a bem dizer se pode afirmar que todo nordestino tradicional, que tenha a família vivendo há muitas gerações no Nordeste, tem entre seus antepassados o célebre fidalgo português.
E, na verdade, não é de se estranhar que um número tão grande de pessoas de rodas tão diferentes da vida tenham antepassados comuns. É assim mesmo em genealogia. No passado havia menos pessoas do que agora. De modo que é tão somente natural descobrir que muitos de nós temos os mesmos antepassados, tanto entre a nobreza como entre as pessoas comuns e sem fama. Como dissemos numa postagem anterior, quando se olha para uma certa distância no passado, acabamos sempre descobrindo que somos meio príncipes. E, de certo modo, acabamos lembrando também que somos todos iguais e parentes.
Mas, enfim, e a ascendência real? Onde está que os nordestinos descendem de reis?
A verdade é que a ascendência distinta de Jerônimo de Albuquerque não é desconhecida daqueles que mergulham na genealogia, especialmente a genealogia das ilustres famílias nordestinas. É fato sabido que a família Albuquerque descende do rei Dom Diniz, quinto rei de Portugal e membro da primeira família real daquele país.
O fato é que os Albuquerque tiveram sua origem no senhorio de Albuquerque, concessão de terra feita a um certo Afonso Sanches, ao que parece no começo do século XIV. Mas o que distinguia esse Afonso Sanches para assim receber esse presente real?
Acontece que Afonso Sanches era nada menos que filho bastardo do rei. Dom Diniz o gerou no relacionamento com sua amante, Aldonça Rodrigues Telha. E, assim como aconteceu com outros filhos gerados fora do casamento ao longo da História, também este Afonso foi beneficiado de sua verdadeira filiação. Tornado um nobre do reino, manteve sua posição para si e para seus descendentes. Estes então levaram pelas gerações adiante o sobrenome toponímico e de elevado status.
Dom Diniz. Fonte: Wikimedia Commons
É verdade também que, após verificar a genealogia de Jerônimo de Albuquerque, pude notar que, pelo menos por um tempo, o afamado sobrenome Albuquerque com seu indicativo de nobreza foi transmitido por via matrilinear. Realmente, é muito interessante perceber que mesmo num mundo tão masculino quanto era a sociedade medieval e do começo da modernidade, ainda assim houvesse esse tipo de herança simbólica transmitida por via feminina. Mas, quanto a mulheres transmitirem nobreza a seus descendentes, falaremos disso em uma postagem futura.
De modo que não era segredo para ninguém à época e nem depois que o Adão Pernambucano fosse herdeiro de sangue do rei trovador de Portugal. De fato, essa ascendência ilustre certamente foi sempre ostentada com muita satisfação pelos Albuquerque mesmo gerações antes de Jerônimo.
E se agora demonstramos que Jerônimo é antepassado de praticamente todos os nordestinos, e se demonstramos também que ele mesmo era descendente de reis - motivo do qual vinha a alta posição da família em Portugal - está apontada que possivelmente todo nordestino comum é herdeiro de sangue do rei Dom Diniz. O monarca que compunha trovas no princípio da História da língua portuguesa é um antapassado bem apropriado para a porção do Brasil onde se cultivou sempre o cordel, o repente, e onde surgiu o Movimento Armorial.
Ser descendentes de Dom Diniz nos faz também netos de todos os reis daquele país anteriores a ele. O próprio Dom Afonso Henriques, fundador e primeiro rei de Portugal, herói das crônicas medievais e dos romances de Alexandre Herculano, o homem que fundou aquele que pretendeu ser o "Quinto Império" - até mesmo Dom Afonso Henriques é nosso antepassado comum. É verdade que isso estende o privilégio de ser neto de reis a uma boa multidão de pessoas. Mas, ao mesmo tempo nos lembra de que, no fundo, e até mesmo no sangue, somos todos bastante semelhantes.
D. Afonso Henriques O Conquistador. Fonte: Wikimedia Commons
E, se posso afirmar que eu mesmo e que todos os nordestinos são descendentes do Adão Pernambucano, e dos antepassados ilustres desses, posso fazer também outras afirmações também quanto a nossos avoengos.
Por exemplo: Você sabia que talvez todo nordestino seja descendente de judeus - e, de certo modo, judeu de sangue? Pretendemos falar disso em uma postagem futura.
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Atenciosamente,
Filipe Cavalcante
Referências que consultei:
FAMILYSEARCH. Capitão-mor Jerônimo de Albuquerque. Disponível em: https://www.familysearch.org/tree/pedigree/landscape/LKVM-JBT . Acesso em 02.09.2022
LYRA, Anderson Tavares. Origem dos Albuquerque Maranhão. Disponível em: http://www.historiaegenealogia.com/2009/08/origem-dos-albuquerque-maranhao.html?m=1 . Acesso em 02.09.2022
SOBREIRA, Caesar Malta. Jerônimo de Albuquerque, o Adão Pernambucano:
Tratado sobre a origem multiétnica do Homem Nordestino. Revista Zona de Impacto, ANO 16, Vol. 2, Julho/Dezembro. 2014. Disponível em: http://www.revistazonadeimpacto.unir.br/2014%20vol%202%20Caesar.html . Acesso em 02.09.2022
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