Por que amar romances de cavalaria

Desde adolescente, faço uma ideia bem romântica da figura medieval dos cavaleiros. Mesmo quando eu apenas conhecia os contos de fadas e os filmes de cenário medieval, já achava uma bela visão a que eu tinha na minha mente sobre esses heróis idealizados de um passado idílico.
Um pouco depois, ainda na minha adolescência, tive meu primeiro contato significativo com Dom Quixote. É claro que Dom Quixote é uma figura constante no imaginário da nossa civilização, assim como Frankenstein ou a Bela Adormecida. É claro, portanto, que eu já havia deparado com referências ao personagem e à obra de Cervantes em diversos lugares, eruditos ou nem tanto. Mas foi por volta dos meus 15 anos que pela primeira vez tive em mãos o Dom Quixote, com texto integral. E o li com vívido interesse.
Foi por cerca dessa época também que vi na escola, nas aulas de Literatura, o conceito de romance de cavalaria. Quando se tratou da literatura produzida em língua portuguesa durante o período medieval, tivemos uma ligeira pincelada sobre o que foi esse gênero, e logo passamos ao assunto seguinte. Minha mente, porém, ficou a ruminar por longo tempo aquele tema. Meio que instintivamente a ideia dos romances de cavalaria, com seus rompantes de heroísmo e amor romântico e seus feitos extraordinários, me pareceu deveras simpática.
É verdade que, no contexto do currículo escolar, o gênero não foi tratado como ruim ou de mau gosto. Cervantes, esse sim deixou bem às claras a sua opinião e crítica sobre esse tipo de literatura, praticada tão desbragadamente em seus tempos. Alguns dizem que Cervantes, na verdade, em vez de tentar derrubar os livros de cavalaria, investia contra um tipo muito exagerado de livros de cavalaria que se compunha em sua época. E que ele, de fato, ao escrever Dom Quixote, apenas escrevia a obra mais completa e acabada desse gênero.
Mas, ainda que o romance de cavalaria não fosse mencionado como um gênero necessariamente inferior, o fato é que percebi já nessa época que havia muito pouco dele disponível no mercado de livros, para que um leitor contemporâneo o pudesse usufruir.
O que não me pareceu justificável foi condenar ao abandono um conjunto de obras que por tanto tempo gozaram de tanta popularidade. Embora os romances cavalheirescos do século XVI houvessem sido tantos e tão queridos do público em sua época, tornara-se bem mais difícil encontrá-los do que encontrar obras clássicas de outros períodos literários da língua portuguesa ou espanhola.
É verdade também que Cervantes talvez tenha salvado alguns desses livros do completo esquecimento a que o tempo os relegaria ao mencioná-los em Dom Quixote. Mas nem isso tornou tão fácil encontrar os ditos livros em bibliotecas ou livrarias locais.
E para mim, a ideia por trás dos romances de cavalaria era simplesmente maravilhosa. Eles apelavam para o entusiasmo, o otimismo, a bravura e a sensibilidade das pessoas. Eram, ao seu tempo, um tipo de literatura fácil mas disfarçada de culta, como a disponibilizar para o povo o espaço necessário para acompanhassem as produções do espírito. Assim como os best-sellers de nosso tempo, nem sempre dentro dos padrões do que a academia considera alta literatura, abriam para o povo comum as portas das letras e a possibilidade de voar também com suas histórias sobre heróis, damas e encantamentos. Permitiam-se até usar palavreados falsamente complicados e intrincados, tudo numa representação por vezes muito engenhosa do que era a cultura dos ricos e letrados.
Com ideias tão boas e com tanto apelo, sempre acreditei que os romances de cavalaria, tanto os escritos na Idade Média como os do século XVI mereciam mais espaço na atualidade. Eles não apenas foram uma fase importante na evolução da maneira de contar histórias, como foram por longo tempo uma das principais maneiras de contá-las.
E, de fato, Mario Vargas Llosa reconheceu que, mesmo para ele, um leitor de língua espanhola, foi difícil encontrar para ler os famosos livros de cavalaria produzidos no seu próprio idioma nos tempos áureos daqueles mesmos que Dom Quixote lia. No seu discurso transcrito na edição brasileira de Tirant lo Blanc (publicada pela Ateliê Editorial) o famoso escritor reconhece justamente isso, o descaso com que esses livros tem sido tratados desde que foram relegados a literatura inferior. E isso apesar de o próprio Llosa os achar divertidíssimos.
E, triste por não haver mais desses livros disponíveis no mercado para quem os quiser ler, mas feliz por ter encontrado pelo menos os que cito abaixo, gostaria de compartilhar o que consegui encontrar dessas obras à disposição do público no Brasil. Em próximas postagens trarei resenhas de alguns desse livros que tive a oportunidade de ler. Alguns eram originalmente em versos franceses e são do século XII, quando se considera que o gênero nasceu com Chretién de Troyes. Outros são contemporâneos do Renascimento, e circularam em letra impressa largamente distribuída - dentro do que seria largamente distribuído no século XVI. Mas o que todos são é dotados do fogo criativo e da atmosfera de sonho que a paisagem de um passado remoto e um pouco vago é capaz de evocar.

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Atenciosamente,

Filipe Cavalcante IV


P.S.: Praticamente acabo de receber (recebi no sábado) o meu exemplar de Memorial das Proezas do Valoroso Cavaleiro Olavo de Nomúria, o meu primeiro romance. Para acessar a página do meu livro, você pode ir ao Clube de Autores.

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