Da chefia nas dinastias exiladas

(Casamento do grão-duque Gueorgui Romanov em 2021. O grão-duque é reclamante do trono imperial russo, extinto com a Revolução de 1917. Fonte da imagem: Exame)

Em outro artigo nosso mostramos como as dinastias podem ser mantidas através do tempo, mesmo que não estejam mais no trono. E dizemos que podem ser mantidas pois nem sempre os seus descendentes reivindicam o direito e os nomes que carregaram os seus ilustres antepassados. Ainda assim, porém, mesmo que por gerações e séculos esse direito não tenha sido reivindicado e nem utilizado, a nobreza hereditária, para o Direito Nobiliário, é eterna, e sempre pode vir a ser reivindicada no futuro.
Dissemos também como o direito adquirido ao trono não existe no caso das monarquias extintas. Ainda que a mesma dinastia outrora destronada volte ao posto, não há garantias legais nem tradicionais de que o mesmo rei voltará ao trono, e nem de que seu herdeiro presumido o possa fazer. Quando as monarquias são restauradas ou instauradas, é o povo ou os demais elementos políticos vigentes que decidirão por quem será incumbido dessa tarefa de Estado.
Ora, se não há direito adquirido ao trono, então onde está a certeza do direito hereditário? O Direito Nobiliário tem a resposta a essa pergunta.
A primeira coisa a se levar em conta é que um rei entronizado é um soberano. E, ao dizer rei, incluímos nesse termo qualquer outro que seja o título do monarca reinante. Dependendo de cada cultura, há vários títulos para o soberano, como são: imperador, czar, príncipe, grão-duque, sultão, xá, emir, e outros mais. O soberano foi alçado ao posto por um ato de posse, que o investiu da honra de reinar. E, igualmente, diferentes países e culturas tem ou tiveram seus modos peculiares de entronizar um rei: a coroação, a unção, a aclamação, a proclamação, a sagração, ou outros métodos. O ato que põe o rei no trono é irrevogável. Ele está por toda a vida investido da majestade do cargo. Não à toa, frequentemente o ato de empossar o rei inclui um sacramento religioso. Mesmo de um ponto de vista apenas secular, a coroação é sagrada - sagrada no sentido de ser um direito certo, inatacável.
Porém, se a honra da majestade permanece com o investido nela por toda a sua vida, isso não significa a garantia de que de fato o rei permanecerá no trono por toda a vida. Durante toda a História, monarcas perderam seu poder, foram depostos, e normalmente foram exilados, para diminuir suas chances de retorno ao poder. No entanto, o rei é soberano. É impossível que seus súditos tenham legitimidade para desbancá-lo. Isso, claro, pelo menos no plano ideal. O rei não é um representante do povo, como seria se fosse um representante eleito. Quando um rei é destronado em troca de outro ou de uma república, opera-se uma mudança de regime. Para tirar um rei do trono, se rasga as leis vigentes. No entanto, de acordo com seu direito adquirido, pelo menos no plano ideal, ele permanece rei, embora sem poder de fato.
É por isso que no Direito Nobiliário não se fala em ex-rei. Esse seria um termo incorreto. O rei foi consagrado. Ele permanece soberano para sempre, e transmite essa qualidade para seus descendentes, que se tornam pretendentes ao trono extinto ou do qual foram expulsos.
A pergunta aqui, porém, é: Como acontece a sucessão em uma dinastia destronada? Se não existe direito adquirido ao trono, quem dentre os descendentes do monarca é o titular do trono ideal?
O monarca exilado é, ele mesmo, rei. Isso é um fato. Uma vez, porém, que ele faleça, a chefia da casa real costuma passar àquele que teria sido o herdeiro da coroa caso as leis ou costumes à época de deposição valessem. E, na verdade, embora essas regras de transmissão mortis causa não valham mais no plano prático, elas continuam perfeitamente válidas no Direito Nobiliário e no Direito Dinástico.
Assim é que, com o falecimento do imperador D. Pedro II do Brasil, em exílio, a chefia da casa imperial passou naturalmente à sua filha, a princesa D. Isabel, que o teria sucedido em um Terceiro Reinado. A regra de transmissão da coroa na monarquia brasileira era a preferência do filho varão mais velho; e, em não havendo filho varão, a filha mais mais velha sucederia.
O formato padrão de transmissão da chefia da família real e casa dinástica deveria ser então essa sequência. Sempre há apenas um rei por vez, quando a família está no poder. Então, em teoria, continuaria a haver apenas um chefe da família no exílio. E, aparentemente, quando faz apenas pouco tempo desde a deposição, é fácil saber quem é esse chefe. Ninguém nunca duvidou que D. Isabel era a chefe da descendência de D. Pedro II.
No entanto, o tempo passa, e questões podem surgir quanto à sucessão do título. Por exemplo, como vimos em artigo anterior, há hoje dois pretendentes ao trono do Brasil na família Orleans e Bragança, cada um com seus argumentos quanto à legitimidade.
O chefe da família real deposta é chamado de Chefe de Nome e de Armas. Embora possa haver muitos descendentes do monarca, ele é o reclamante principal ao trono do qual foi alijado. Mas como alguém pode afirmar ser Chefe de Nome e de Armas de sua dinastia?
A resposta parece ser simples: a consagração. O mesmo instrumento que visa dar a um príncipe a honra da majestade é válido, à luz da ciência nobiliária, para dar-lhe a chefia dinástica. Seja uma coração ou unção ou aclamação; seja feita com caráter religioso ou secular - o ato de constituir alguém em cabeça de uma família real, ou de um ramo de uma família real, parece ser o bastante para conferir os direitos de que goza um rei no exílio.
É claro que esse direito é meio que subjetivo. Não existe garantia de retorno ao trono. E, como vimos, há famílias reais depostas em que há mais de um pretendente. Qual desse pretendentes tem o melhor direito? Numa eventual restauração talvez se leve em conta as leis passadas; talvez se leve em conta a conveniência do momento. D. Bertrand, por exemplo, tem mais apoio que D. Pedro de Alcântara Bourbon, embora esse seja o herdeiro por primogenitura. Mas, de todo modo, ambos tem uma reclamação ao direito, e ambos tem apoiadores - são, de certo modo, aclamados. Que tribunal pode decidir o dilema, se ambos tem a presunção de serem soberanos?
Só o povo poderia decidir esse dilema. Só o Estado soberano, colocando um soberano sobre si, poderia decidir essa pendenga. No entanto, enquanto não há sinal de restauração, fica-se nesse estado. Os descendentes que se julgam no direito a suceder são pretendentes. Isso significa que não é estranho haver mais de um Chefe de Nome e de Armas numa família real em exílio. Quando há bons motivos para a pretensão, costuma-se vê-la como legítima. Ser pretendente não é necessariamente ser o primeiro chamado ao trono.
Tampouco os Chefes de Nome e de Armas são reis, embora alguns sejam chamados às vezes de "rei de jure" ou "imperador de jure". Alguns também chegam a ser consagrados em ritos semelhantes ao que entroniza um monarca, para assinalar diante de todos sua pretensão e seu direito dinástico.
Há dinastas assim atualmente? Sim, há, inclusive aqui no Brasil. Além da família imperial, que já mencionamos, há aqui outros pretendentes a tronos estrangeiros e representantes de antigas coroas, com apoiadores e círculos de nobres, vivenciando em caráter particular as mesmas fórmulas sociais de seus antepassados. Creem que a nobreza, além de uma condição hereditária, é a postura a ser incentivada e cultivada no mundo moderno.

Referências

CASA IMPERIAL DO BRASIL. Parecer Jurídico Sobre a Questão Dinástica do Brasil. Disponível em: https://casaimperialbrasil.pt/parecer-juridico/ . Acesso em 16.01.2023

DIÁRIO IMPERIAL. A "Questão Dinástica" Brasileira. Disponível em: http://odiarioimperial.blogspot.com/2015/09/a-questao-dinastica-brasileira-parte-i.html?m=1 . Acesso em: 16.01.2023

MÉROE, Mário de. Tradições Nobiliárias Internacionais e Sua Integração ao Direito Civil Brasileiro. Centauro, 2005

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